ATRASOS NAS OBRAS EM LINHAS DE TRANSMISSÃO DEIXAM PAÍS VULNERÁVEL A APAGÃO

Levantamento do próprio governo mostra que 66% dos 25.595 quilômetros de linhas de transmissão em obras estão fora do prazo.

O apagão que afetou os nove estados do Nordeste na quarta-feira poderia ter sido apenas um blecaute localizado, segundo especialistas, se o governo tivesse realizado os investimentos necessários e uma gestão eficiente de transmissão de energia. Dados do próprio Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE, órgão que reúne os agentes públicos do setor), disponíveis em documento oficial, demonstram que 66% dos 25.595 quilômetros de linhas de transmissão em obras no país estão atrasados. Já o valor de multas que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aplica às empresas de transmissão de energia por falhas na qualidade do serviço dobrou em dois anos, revelando uma piora na qualidade do setor.

— Se os investimentos em transmissão fossem feitos e houvesse uma gestão eficiente, um incêndio no Piauí provocaria um problema localizado, não um apagão em todos os estados do Nordeste — afirma Paulo Pedrosa, presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace).

Atraso médio é de um ano:

O problema da transmissão foi confirmado em reunião realizada em julho pelo CMSE — com 41 autoridades de Eletrobras, Ministério de Minas e Energia (MME), Aneel, Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), da Agência Nacional de Petróleo (ANP), entre outros órgãos. Segundo a ata do encontro, apenas 33% das obras de linhas de transmissão estavam em dia. No geral, o atraso médio é de um ano, segundo o documento. O comitê também apontou que 47% dos empreendimentos monitorados de subestações estavam em dia, com atraso médio de cinco meses. A ata mostra preocupação.

“A SEE/MME (Secretaria de Energia Elétrica do ministério) deverá apresentar ao CMSE o acompanhamento das ações que estão sendo realizadas para alcançar a meta de expansão dos empreendimentos de geração e transmissão definida no início de 2013, apontando os respectivos responsáveis”, diz o documento, que descreve também atrasos em 75% das obras de geração.

Paulo Pedrosa, da Abrace, diz que a transmissão é hoje um dos principais problemas energéticos do país, e cita o caso de parques eólicos prontos no Nordeste desde meados do ano passado, mas que não estão gerando energia simplesmente por falta de linhas de transmissão. A região é a que mais sofre com problemas energéticos. A previsão para o parque da Renova Energia, no sertão baiano, por exemplo, é que a interligação ao sistema ocorra em janeiro de 2014 — 18 meses depois da conclusão da geradora renovável, que têm capacidade instalada de 294 megawatts (MW).

Segundo o presidente da Abrace, grandes apagões como o do Nordeste geram ainda mais prejuízos à indústria nacional, que já não conta com energia a preços competitivos:

— O problema na transmissão não afeta apenas a entrega da energia, ele encarece e retira competitividade de todo o sistema. O governo decidiu, por exemplo, reduzir o fluxo das linhas de transmissão de Itaipu para evitar novos problemas, e a solução para isso foi ligar termelétricas, que são mais caras.

Diretor do Ilumina, Roberto D’Avila ressalta que faltam investimentos tanto na transmissão quanto na geração de energia, e isso faz com que o sistema opere no limite.

O impacto para os grandes consumidores é imenso. Um apagão na Bahia, em 2011, diz Pedrosa, causou prejuízos de R$ 200 milhões apenas no Pólo de Camaçari. Ele afirma que as grandes empresas são as mais prejudicadas, já que os consumidores residenciais podem ser indenizados em caso de prejuízos.

— Temos que ter cuidado com as soluções que serão apresentadas. Vemos uma tentativa de ampliar investimentos que podem ser desnecessários se houver uma gestão mais eficiente da transmissão — diz Pedrosa, lembrando que o custo, a engenharia e as dificuldades para se retomar o fornecimento de um grande apagão são maiores do que em blecautes localizados.

Presidente do Instituto Acende Brasil, centro de pesquisas do setor elétrico, Cláudio Sales diz que é elevado o índice de atrasos nas obras, tanto de transmissão quanto de geração. Para o especialista, a opção por construir hidrelétricas cada vez mais distantes das regiões de consumo faz com que o sistema seja mais vulnerável a fenômenos da natureza.

As multas aplicadas pela Aneel às empresas de transmissão por falta de qualidade também são um retrato do setor. As somas são calculadas com base em uma redução (Parcela Variável) ou um bônus (Adicional) no valor recebido pelas companhias, de acordo com o serviço prestado. Essa conta retirou das empresas, no período entre junho de 2012 e maio deste ano, R$ 57,8 milhões em multas, quase o dobro dos R$ 30,4 milhões entre junho de 2010 e maio de 2011. Apesar do incremento, o valor é pequeno se comparado ao faturamento do segmento, que gira em torno de R$ 12 bilhões.

Procurados pela reportagem, Aneel e o Ministério de Minas e Energia não comentaram os problemas na transmissão de energia elétrica no país. Segundo as assessorias desses órgãos, os técnicos estão envolvidos com o apagão de quarta-feira e não tiveram tempo para analisar as críticas.

Campos evita culpar governo:

Uma das razões apontadas por técnicos do setor para os atrasos nas obras de transmissão é a demora na obtenção das licenças ambientais. O prazo médio concedido para construir uma linha é de 22 meses, e o tempo médio que tem sido necessário para a obtenção da Licença de Instalação (que autoriza o início da construção), é de 19 meses.

Em 2012, foram investidos R$ 19,3 bilhões em 2012 em geração. Em transmissão, foram R$ 6,62 bilhões. Para este ano, segundo a Eletrobras, a previsão é de investimentos de R$ 27,9 bilhões na geração, dos quais já foram realizados R$ 5,7 bilhões até abril. Na transmissão, são R$ 6,7 bilhões, dos quais R$ 1,51 bilhão já realizado. Para 2014, a projeção é de R$ 20 bilhões em geração e R$ 7 bilhões na transmissão.

Nesta quinta-feira, em Brasília, em reunião do CMSE, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, recomendou que a Aneel faça “rigorosa fiscalização” sobre o apagão no Nordeste. Foi marcada uma reunião para segunda-feira, com o objetivo de elaborar o Relatório de Análise de Perturbação (RAP), que será entregue a Aneel e ao CMSE.

Na reunião, o ONS explicou que o apagão foi provocado pelo desligamento automático de duas linhas, no Piauí, que interligam os sistemas Sudeste/Centro-Oeste ao Nordeste. A causa foram as queimadas numa fazenda do estado. “O sistema de segurança atuou, isolando a região Nordeste do resto do país”, informou o MME.

O governador de Pernambuco e provável candidato a presidente em 2014, Eduardo Campos (PSB), evitou culpar o governo. Campos lamentou a situação, mas cobrou investimento maior em energia renovável. Na véspera, o tucano Aécio Neves, também provável candidato, culpara o governo Dilma.

— Lamento que aconteça isso, mas é preciso ouvir os engenheiros elétricos para exatamente saber por que aconteceu e como pode ser evitado — disse Campos, ressltando que, ao longo dos anos, o Brasil avançou na questão energética, apesar de precisar de mais investimentos.


Fonte -Fonte: O Globo / Ramona Ordoñez

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